sábado, 25 de julho de 2009

"ATAREFADO" e "MESA LIMPA"

Como “enxoval” uma velha Olivetti Lettera, calculadora Sharp, almofada de carimbo e grampeador. Atividade do dia, ler instruções, foi assim o primeiro dia de trabalho de um companheiro em 1.981.

Era o segundo emprego, corporação centenária, precisava conhecer o funcionamento do sistema. Trazia do trabalho anterior uma experiência que o mantinha na linha, em cada local que estivesse era preciso “levantar” a liderança e a história do lugar. Horas de treinamentos anteriores indicavam que havia muitos tipos de líderes, logo aprendeu a manha, a prudência recomendava fazer duas perguntas por dia ao chefe, uma de manhã e outra à tarde. A instituição parecia, uma organização militar, com denominações de retaguarda, bateria, plataforma e severa disciplina hierárquica. Para os funcionários restava seguir rigidamente os procedimentos, não havia como alterar os esquemas.

Sufocados num modelo assim, eles desenvolviam comportamentos recorrentes. Havia uma regra, no final do dia todo o material devia ser guardado, ficando as mesas limpas e as máquinas protegidas com capas de plástico. Os que esqueciam eram premiados com descontos de pontos na avaliação e as capas das máquinas eram colocadas acintosamente embaixo daquela barra que segura o papel nas velhas máquinas de escrever.

Analisando os companheiros destacavam-se dois tipos de atuação:

“O atarefado” fazia vezes de grande desenvolvedor de trabalhos, enchia a mesa de papéis, pastas de arquivo, livros de instruções, carimbos, oitavados(sabe o que é isto?), telex e outras coisas. Colocava um formulário na máquina de escrever e passava o dia em diligente ação, de vez em quando escrevia uma linha. Adorava somar e conferir, longas fitas de números, repetia três vezes a soma de cada orçamento. Levantava frequentemente para consultas aos arquivos, conversas com o supervisor e telefonava sem parar. Era um risco parar ao lado da mesa, o atarefado disparava um monte de conceitos de como era complexo o “estudo” que estava realizando, sempre para um grande figurão da cidade, algo que iria parar na diretoria. Exigente, produzia caixas inteiras de papel descartado, ao menor borrão jogava tudo fora. Assim avançava pela noite, recebendo, claro, horas extras. Tinha tempo de sobra para se dedicar ao trabalho, não estudava, zombava disto, costumava comparar o próprio salário com o de outros pobres formados que ganhavam muito menos, chegava a dizer que se dependesse de formação estaria mal. No final do expediente ainda se demorava em conversas.
O atarefado encarnava o “normal”, girava a máquina, era o mais comum entre os funcis daquele tempo, queridinhos dos chefes. Quando não tinha coisas para fazer, não precisava se preocupar, ele enchia a mesa de tudo que era coisa e parecia sempre muito, muito atarefado. Também era certo que assaria um churrasco para os empresários, no aniversário do gerente ou qualquer outro evento na associação dos funcionários, tinha tempo.

Por seu lado o “mesa limpa” espécie de anti-herói do sistema, alterava a situação e enfurecia os atarefados. Um representante muito encontrado era o que estudava na faculdade, qualquer coisa inútil no entender do status vigente, as promoções eram por tempo de serviço e outros processos. Assim o pobre companheiro era obrigado a fazer tudo correndo, assim que terminava o expediente tinha de ir para aula ou fazer pesquisas e teses. Sua mesa de trabalho era “limpa”, os papéis voavam dali, não tinha tempo para valorizar. Pode-se imaginar que fazia o mesmo trabalho em pouco tempo, não podia fazer horas extras. Então era premiado com um ódio sincero, como podiam os outros “ganhar prorrogação” se o engraçadinho cumpria a jornada sem problemas no tempo normal. Não ficava nisto, era perseguido, em geral coisa de meia hora antes do final do expediente o chefe entregava uma pasta dizendo, é para hoje o gerente geral pediu, então o pobre “mesa limpa” corria loucamente para terminar o trabalho. Quando reclamava escutava, você tem de escolher o estudo ou o trabalho, pense bem em quem paga seu ordenado. Muitos perderam carreiras, foram deixados para trás nas promoções. Mais uma, ele nunca ia nas festinhas de despedida e outros eventos, tinha aula, sempre coisas mais importantes que a companhia, situação que irritava profundamente os atarefados.

Caprichoso, o destino vem nos mostrar o que vale hoje, a mesa do atarefado produz olhares de desprezo real, e o mesa limpa sugere grande capacidade de organização e proatividade, impressionante não é mesmo?


Selso Vicente Dalmaso