sábado, 22 de outubro de 2011

PILÃO


Começa uma febril atividade, ferramentas, madeiras, fogo.  Para mim o mais importante era, no final, saber o que estava acontecendo, sempre sofri com isto, não eram anunciados os procedimentos.

Mas aí veio um tronco de madeira de mato, grande mais de 50 de DAP.
Descasca e serra na altura de 80 cm.
Começa grande função com enchó e formão escavando em círculo com uma borda de uns dez cm.
Pilão, disseram, vai saber o que era, parei de perguntar para não levar uns cascudos,
Continua a escavação até dois palmos de fundura, na boca alguma coisa como palmo e meio.
Mas bem que, por dentro, ficou meio irregular, áspero, com lascas.

O pai sempre tinha solução, encheu com uns cavacos e gravetos e,  botou fogo, até ficar encarvoado.
Em seguida limpa tudo, pronto alisou, raspa com cacos de vidro e depois vai utilizando, ficou perfeito.

Ele não funciona sozinho, precisa da "mão de pilão", construída de madeira bruta, tem uma ponta mais pesada para otimizar o trabalho.
Este pilão foi, assim, "passado" para a piazada, vale dizer, para mim, que era o mais velho(em pé à direita).
Função, descascar arroz, uma "cozinhada" por dia. Enche de arroz, e vai pilando, parece que nada acontece, mas em seguida
vai acumulando casca e tem de ir "abanando".
Resultado, voce tem o legítimo arroz integral, fresquinho, delicado paladar.

Me veio este pensamento num restaurande chicoso da capital, ia passando, sou fã do tal arroz, será uma "injunção da infância".

Juntou com outra recordação, a da abobrinha cozida, era a mais odiada iguaria para um amigo daquele tempo(em pé à esquerda). Ele enfrentou
as mais cruéis punições mas não havia jeito. Por fim, acreditem, ele foi o único que teve "alvará" para não comer alguma coisa
que lhe era servida.

Enfim peguei, uns nacos de rabada, utalo coisa boa, replicando outra lembrança da Terra dos Chimangos.

O Lobato, que só conheci de nome, era o carneador daquela esquecida comunidade.
Sempre ia um disposto companheiro com uma lendária faca "Venancio Aíres", afiada que só. Um mestre na trincha,
ia por gostar, ganhava, a rabada.  
Rústica especialidade bem feitinha num fogão da campanha, ganha um tom de "madeira",
o tempero era só sal e umas pimentas do reino amassadas na hora, é, num panaro com a garrafa de "Casco Escuro".
É muito saborosa, quem sabe outra "injunção da infância".

Abraço



sábado, 15 de outubro de 2011

"RECAÍDA"




Mais um daqueles janeiros da fronteira oriental, 14 horas de sol batido no geral perto de 35 graus, a tarde, então, é longa. Um Ipanema volteava e tome carregar uréia.
Terminou a atividade, assolhada a equipe se acomodou, mateando, nas casas, pela graça divina o sol ia baixando e entrou uma brisa. É um momento em que se fala baixo, calmamente, esta hora solene é cumprida numa varanda, as cadeiras ajeitadas de modo que se possa olhar longe, para os campos e bichos que se movimentam no final da tarde. Comentavam-se coisas e fatos do dia, e já se pensava em deixar o local e ir para a cidade.

Mas aí, amigos, o destino principiou a fazer das suas. De repente dois bólidos urbanos vem numa nuvem de poeira saltando buracos e pedras e viram na porteira em direção da roda de chimarrão. Eram companheiros em missão, aí que reparamos, vinham carregados de petrechos variados, de comer, de pescar, de beber. Nos boleamos, cansados. Mas aí desceu bem uma loira gelada, vacilamos. Veio um trator com reboque e já carregou a tralha toda.
Foi-se a turma para uma beira de açúde, fogo alto, carne no fogo, cerveja, muita cerveja.

 Botei as linhas nágua, três só. Podemos garantir, aquele tempo da tarde morrendo e iniciando a noite é muito importante. Na verdade é uma troca de turno, aves diurnas se encaminham para os pousos e aparecem os atores da vida noturna.
Cansados os companheiros do trabalho arrumaram suas barracas e outros foram se arranjando de qualquer forma. Este velho combatente sabia que ia dar confusão, tentou atalhar a lida mas não deu, foi só cair a noite parou o vento e um voraz enxame de mosquitos tomou conta do lugar. Nesta altura a gente já tinha devorado pedaços gigantes de ovelha assada e pilhas de latas de cerveja. Verdade que tentamos dormir, em condições precárias, me acomodei embaixo do reboque, pelo menos evitava o sereno da noite, se alguém já passou noite no relento sabe o que é de ruim. Toda hora eu pensava em abrir os olhos e dar com uma cruzeira sibilante.

Madrugada grande se ouvia algo que se poderia definir como expressões de ódio que pipocavam esparsas pelo acampamento, desisti de dormir e voltei para as linhas. Não é que começaram a dar movimento, despacito juntei um pequeno monte. Vale dizer lá só tem traíra mesmo, elas tomam conta dos açúdes, fazem acordos com os cágados. Precisa dar um crédito para os urbanóides pescadores, ainda tinha cerveja gelada à vontade.

Podemos imaginar o amanhecer, companheiros mal humorados, nem precisa falar da aparência assustadora de cada um, iam se juntando aos que estavam na pesca. Revoltados avançaram na caixa de cervejas buscando energias extras.
Foi nesta hora que uma nervosa movimentação se originou perto do trator, demoramos a entender a ocorrência, era, digamos assim, um “arrumar”de tralha. Na verdade, depois vimos, voou tudo num amontoado de colchão, travesseiro e o que mais tivesse em direçao à carroceria do reboque.
Em seguida explodiu espécie de desabafo, “esta foi a última recaída”.

Abraço




sábado, 8 de outubro de 2011

FUNDO DE CAMPO


Era o primeiro decanato de aquário, num janeiro louco de seco e quente. Ventou “norte” três dias, no final da tarde o sol baixou atrás de nuvem escura, que veio cobrindo tudo num temporal medonho.

O pai fez um meio sorriso orgulhoso, Dona Chininha avisou, “piá”. Havia ansiedade o ramo paterno era conhecido pela macharia, e a mãe tinha montes de irmãs. Reza a lenda que Dona Chininha, cabocla meio índia Guaraní, fez um gesto em cruz e uma prece singela, “crê’in Deus Padre”, e completou, “Deus ti crie pru bem”. A mãe pediu para o lampião chegar perto e sentenciou “ele vai ser doutor, não vai se criar neste fundo de campo”.

Pois se fala que pegou um portezito e vivia em busca de colégios, estudos, viagens e nunca mais sossegou.

Ficar em casa nos três meses das férias do verão custava, vivia inquieto.

Enroscou o anel de grau numa porteira, botou no bolso, lidava numa pesagem de gado. Deu falta já em casa, nunca mais se viu o símbolo da promessa realizada, a pedra era azul.
Abraço amigos