A casa sem luxo, sem pintura, coberta de zinco, sem árvores por perto e sem a cerquinha que separava do gado e cavalos do campo. Se o registro fosse seis meses antes, se veria a troupe num rancho de leivas e quinchado de santa fé. A maior lembrança que eu tenho do rancho de quatro águas, raro, é que um dia nosso Taí, guaipeca, osco, cismou de olhar atrás de um roupeiro improvisado naquela rústica morada. Deu nervoso, mandaram a gurizada para fora, pode ser cobra, e o cachorro encanzinado, aí deu para ver era um zorrilho, por isto o silêncio “cachorro velho não late pra este bicho”. Melhor assim, mas como tira ele de dentro de casa sem que ele use, digamos, as suas armas. Ali estava, no comando, aquele companheiro que tinha soluções para as coisas, sabia como fazer. Primeiro um cercado com saída para a porta da rua, depois com uma caneca de água quente, no ponto de chimarrão, derramou um pouco em cima, foi o que bastou, baixou a cola e saiu zunindo campo afora sem deixar um cheirinho que fosse.
Voltemos ao caso das diferenças culturais, de repente nos criamos na fronteira, os costumes eram, para nós muito, muito diferentes. Com algum apuro de análise do cenário se repara num outro bioma, aqui ambiente cultural caboclo/pampeano.O sotaque, por exemplo, daquele povo era estranho, logo que chegamos uma vizinha apareceu, muito simpática foi socializar com os estrangeiros, nós no caso,“qué us pesco Nardo”.
Aquele povo tinha outros conceitos, em vez do poupar, importava aproveitar a vida uma expressão que ficou era “não me venham falar de economia” e “pobre mas café bem doce” esta última era mais na brincadeira. Assim tinha valor o “hoje”, faziam grandes festas, lautos churrascos, marcações festivas, compravam de tudo e muito. Eu que saí para o internato com treze anos, cheio de recomendações de “guardar seu dinheirinho” estudar e não arranjar confusão, ficava intrigado, não era igual para todos, pesava muito mais para nós.
Mais uns anos, agora, “no ponto de sentar praça” aí foi que a situação se tornou grave, era um abismo a diferença. Os companheiros nativos tinham uma espécie de “alvará” para fazer “as besteiras da juventude” como bem entendessem. Entendido que poderiam destruir um ou dois carros em arruaças pelas madrugadas. Nesta época se tolerava que “experimentassem umas coisas” mesmo que proibidas, isso tem de fazer enquanto novo. Comum que algum rolo fosse exagerado, sem problemas, tinham contatos, ajeitavam, não saía notícia na rádio, abafavam. Como dizia Maquiavel, as vezes o uso da violência é válido, quando preciso davam uma coça se algum engraçadinho se atrevesse a perturbar a moçada. Vinha para a cidade uma “equipe” acompanhava um tempo, de longe, resolvendo situações, bem articulados revezavam a lida. A equipe era de valor, também, em atividades fora da urbe, bailes de campanha, por exemplo. Entediada a turma, por vezes, numa propriedade ficava sabendo de um baile local, aí saíam loqueando e, claro ia um grupo no apoio, tipo assim “me repare esta gurizada, ah leva mais uns homens de confiança”. A tal gurizada, sem dúvida tirava o maior sarro dos residentes, riam, debochavam, escorados que tavam.
Sempre curioso com o esquema reparei que ele só terminava quando o chefe sentia que baqueava, aí chamavam o arruaceiro e proferiam sentença, bom agora chega, vem para casa atender os negócios.
Por outro lado os oriundis, saíam com a obrigação de estudar o mais possível, formar-se rapidamente, cuidar da vida e sumir da volta das casas.
Era o que parecia para mim.
Abraço amigos.
Selso