sexta-feira, 9 de maio de 2008

Ventos

No Cabral o vento pega mesmo, faz um zumbido arrepiante no prédio. Olho as pessoas lá embaixo curvadas, mãos no bolso, gola das japonas levantadas.
Sempre tive problemas com ventos, quando criança enfrentava geadas, andava descalço, mas sofria com os ventos, frios ou quentes. É compreensível, roupas inadequadas, sem luvas, com tamancas de madeira, duros tempos. Além disto a ética dos imigrantes mandava, não se queixar, arregaçar as mangas literalmente e enfrentar resignadamente a intempérie. Demonstrações de fraqueza eram prontamente desprezadas. Com o tempo passei a monitorar a situação, nos lugares onde vivi eu registrava mentalmente as ocorrências relacionadas com o vento.
Nas férias de julho revezávamos com os empregados trabalhando nos tratores, era época de lavração. Naquele tempo não existiam cabines, o tratorista trabalhava completamente exposto. Foi assim que eu passei a sentir um ódio sincero pelo vento Minuano, gelado, vem do lado do Uruguai. É persistente, não alivia, por dias inteiros, pense no que é dar uma esticada no expediente, digamos até as duas da manhã conforme era necessário. Claro que a gente tentava se proteger, mas o golpe do frio era inevitável. O enregelamento inicia nas mãos que vão “ressecando” de modo cruel. Na seqüência o rosto sofre com o vento inclemente, seca e trinca os lábios, as orelhas e nariz esfriam de verdade, as maçãs do rosto ficam com aquele aspecto queimado. Juntam-se os pés, algumas vezes era possível manter aquecidos com folhas de jornal. Na lavração o trator fazia a volta e o vento, não bastasse ser gelado, atirava no rosto poeira, capim e lama também conforme o local ia mudando.Um ponto sensível eram os joelhos, sentado a calça e ceroula, ficam coladas e se esfriam sem dó, ainda hoje é onde sinto frio neste clima Curitibano.
Quando chegava o verão o problema era outro, o vento Leste, vento da fome, trazia seca, campos calcinados. Depois do almoço, lembro daquele vento quente, bronzeava na sombra, posso provar com as poucas fotos que restaram, parecíamos índios e ninguém sequer pensava em pegar uma cor. Nesta hora olhando para o campo a irradiação formava ondas. Ainda no verão tinha outro problema, o vento norte, significa chuva em três dias. A mãe dizia, ó começou o vento norte, vamos juntar lenha seca que vai chover. Era assustador, culminava com o terceiro dia de vento forte quente, no final do dia, o vento parava e “levantava”, mais uma vez do lado do Uruguay, pesada nuvem escura tomando todo o horizonte na “boca da noite”. Assim que diminuía a luz do sol já se podiam ver relâmpagos correndo de ponta a ponta e trovões “ao longe”, os empregados riam dizendo “trovoada de longe, chuva de perto “ em pouco tempo a tempestade nos atingia feroz. Não havia luz elétrica, um ano, olhando pela janela, durante os relâmpagos vimos que o vento tinha destruído totalmente a cobertura do galpão e secador.
Eu admiro muito o Planalto Catarinense, Lages, São Joaquim e outros lugares. Trabalhando por lá fui convidado para um “dia de campo” pela Epagri de São Joaquim, o assunto era poda de macieiras. Legal, me mandei para lá, aquecimento no carro e tal. Chegando no pomar em Bom Jardim da Serra vi um grupo de pessoas liderado pelo pesquisador em volta de uma macieira. Me encaminhei para lá, imediatamente reparei naquele vento gelado, continuado, vindo lá do lado do Pelotão, automaticamente me coloquei de costas para o danado. Não adiantou, primeiro as mãos foram gelando, depois, orelhas, nariz, como descrevi na lavração. Estava numa versão Serrana do conhecido Minuano, léguas longe mas era ele, eu sabia não tem alívio, disfarcei e fui para a volta do fogo no galpão. Aquele ódio recorrente ao ventos frios vivo de novo. Continuando o trabalho no Planalto, anotei outra questão, os fazendeiros faziam queimadas nas invernadas de modo alternado, ano sim ano não. A regra é, primeiro norte de agosto, fogo. Escrevi artigo no jornal dizendo “Queimaram os Campos de Lages”, foi mal, jovem voluntarioso, devia ter levado em conta a cultura do lugar, mais um episódio ligado a vento.
Durante um tempo me livrei do Minuano, morava em Balneário Camboriu, mas ali outras forças da natureza estão atuando. Agradável o inverno é, digamos, um tempo que não se vai à praia, então surpresa, por vezes “entra” um vento irritante. Joga areia para todo lado, enche a calçada e rua. Se você está de bermuda a areia é jogada nas pernas causando minúsculos ferimentos, daí resulta o famoso nome de “rapa canela” que os pescadores utilizam para se referir a ele.
Amigo se vc vai a praia com sua companheira, lembre, as garotas odeiam os ventos, como eu. O que passar de uma brisa, ativa um censor que as deixa muito sensíveis. O cabelo desarruma, os homens não entendem isto, mas é importante. Rajadas fortes, atiram longe, as cangas, desgraça, jogam areia na pele cheia de bronzeador, de repente tudo começa a dar errado. Se você perceber a pele, delas, arrepiada, desista do dia é melhor ir para casa.
Ainda no ultimo verão inventei de ir ao Santinho, não via o local desde janeiro de 1977, ano que comecei a trabalhar em Santa Catarina. Domingo bonito, faceiro, cheguei pensando que tudo ia bem. Esportivo desci para a praia carregado daquelas bobagens, cadeira, guarda-sol, e outras coisas. Poucas pessoas, alarmante sinal, um vento maral, me entende não é? Relevei, o dia é bom deve acalmar. Não acalmou, foi preciso segurar o guarda sol com vigor, droga. Mesmo assim ele deformou totalmente, olhei para o lado e o cara que aluga cadeiras estava recolhendo tudo. Perguntei e esse vento,” é o vento Sul ,vai durar três dias”, não tem jeito. Foi-se o domingo de praia.

Além mar, fui igualmente castigado, friagem dia inteiro, por vezes acompanhado de mini granizo que os joaquinenses chamam de quirera. Vinha de todo lado, eu nem sabia onde era o norte, o tempo ficava quase sempre nublado, um terror só. Eu ficava entrando em cafés, bares e lojas, bem quentinhas.


É a perseguição dos ventos, não me dou com eles.









3 comentários:

Anônimo disse...

Oi Selmo
Você diz que gosta de Maquiavel. Leia NORBERTO BOBBIO. Vale a pena.
Célio Martins

Gelsa Helena disse...

Gauchão querido, mesmo sendo lageana de nascimento, acostumada ao frio e a geadas (até neve); definitivamente não me dou com o vento! Sem contar aqueles dias em que a praia não deu certo, por causa de um vento que não dava trégua, lembro do frio que passamos em alguns invernos pedritenses,também do vento gelado no rosto em Amsterdã e em Buenos Aires quando a gente era obrigada a entrar num restaurante ou café para fugir do frio que enregelava do joelho pra baixo e do pescoço pra cima...hehehhehehe
Parabéns pelas histórias que estão aí, parece que despertou o escritor que há em você!!!

Anônimo disse...

Oi paps!
realmente o vento holandês é de amargar... imagina andar quilômetros de bike naquele vento...
mas aqui em floripa tem a lestada também.... horrível... chuvisco de todos os lados por três dias...

Beijao Paps!