sexta-feira, 9 de maio de 2008

IDIOMAS

Como relatei antes, atingi a graduação em Agronomia, pela inclusão social de antigamente, a lei do Boi. No Colégio Agrícola Visconde da Graça, em Pelotas, o técnico agrícola era mais voltado a disciplinas relacionadas com as técnicas agropecuárias, não tinha levado a sério o estudo de idiomas.
Depois de formado fui ajudar a levar um fusca zero que meu irmão, também agrônomo, ganhou do pai, de Dom Pedrito(RS) até Cianorte(PR). No primeiro dia fizemos escala em Porto Alegre. Então seguimos, revezando na direção, todo o dia e a noite, chegando em Maringá por volta de cinco da manhã. Esperamos abrir o escritório da firma e depois partimos para Cianorte, não demorou muito, antes do meio dia estava lá. Foi assim que conheci o Arenito Caiuá e uma plantação de café. Dormi um pouco numa pensão local, e saí para voltar de ônibus, saindo de Maringá perto da meia noite e chegando em Curitiba ao amanhecer. Imediatamente outro ônibus para Florianópolis, direto para a Acaresc fazer a inscrição no concurso. Em muitos anos era a primeira vez que as “EMATERs” do RS, PR e SC não ofereciam vagas livremente para quem quisesse trabalhar, fizeram testes de admissão. Fui aprovado, assim antes do Natal eu já tinha o meu primeiro emprego, era extensionista rural da ACARESC.
Meados de janeiro comparecemos ao famoso CETRE, Centro de Treinamento de Florianópolis, ali no Itacorubi. No calor do verão uma araponga cantava freneticamente na hora do descanso depois do almoço, se posso usar uma expressão forte, eu odiava ela, ficava num bar em frente. Quase dois meses de preparo, era o pré-serviço, aulas, reuniões, modo de trabalho tudo o mais. Amigo dos tempos da faculdade, o Silvio e o irmão mantinham barracas de acampamento no Santinho, várias vezes passamos o fim de semana naquele grande camping rústico, era um gramado. Gauchinho da fronteira lá eu aprendi o que era camarão e lula ao bafo, o prato preferido depois do futebol da praia.
Aquela expectativa, para que lugar do estado, cada um iria, eram mais de 45 entre técnicos, agrônomos e um veterinário. Todos sabiam que no final cada um podia, digamos assim, solicitar um local com vagas conforme a vocação. Eu tinha a impressão de que, não ficaria no litoral, iria para outro lugar. Esta difícil decisão ficou bem mais simples depois da excursão a campo que iria finalizar os trabalhos preparatórios. Tinha dois locais, lavoura de arroz, eu não quis ir, já conhecia bem, preferi o desconhecido. Vou explicar, o dia da visita era de um calor extremo, fazia o que se chama de Lestada, garoas intermediadas por olheiras de sol ou neblina. Nestas condições nos aventuramos numa demorada visita a uma super granja de suínos em Biguaçu. Pense bem, ciclo completo, milhares de animais, gritos, na terminação era utilizado um “suplemento” com ossos autoclavados, misturados com ração, aquele cheiro de gordura misturado aos outros aromas era de matar qualquer um. Foram horas percorrendo as diversas fases da criação, cheiro forte, forte de verdade.Cada vez que o grupo entrava num local os animais pensavam que iniciava a alimentação e gritavam loucamente, e saltavam nas baias nervosos. Aquilo tudo acarretou uma dor de cabeça, o cheiro de suíno “colou” na roupa, nos sapatos, no ônibus, não saiu mais. Decidi, fácil, fácil, não quero nada com este bicho, solicitei logo, quero ir para o planalto, campos, gado, lavouras, é comigo mesmo.
Que sorte, fui designado para Lages, em pleno coração do Planalto Catarinense, lindos campos e uma parte de plantações e reflorestamentos. Iniciar a vida profissional custou sacrifício, demorei um bocado para me ambientar, muitos colegas ajudaram. Passou certo tempo já conhecia bem o município, as lideranças, e ia competindo, ambicioso que era. O escritório era o maior do estado, eu num destes lances de sorte, como se diz, participei de uma eleição interna e me tornei chefe do escritório. Aí o destino armou uma cilada, trabalhávamos junto a uma estação experimental que tinha convênios com instituições estrangeiras e seguido vinham profissionais do exterior para fazer palestras e conhecer o lugar. Às vezes o meu chefe chamava e dizia, leve o Dr John para conhecer o município, visite alguns proprietários, claro, leve para almoçar e depois para o hotel. Aí alertava, não se preocupe muito com o inglês, só as coisas simples, vai explicando como é o trabalho, é isto. Na medida em que eu ouvia , ia ficando envergonhado, era obrigado a dizer, eu não sei nada de inglês e falar com um estrangeiro é praticamente impossível. Expressão de desapontamento é pouco para definir a “linguagem facial” do chefe, para me punir ele dizia “mas que coisa” então vou arrumar outra pessoa para fazer isto.
Havia ocasiões em que os estrangeiros faziam palestras para o público interno, grupos de 10 a 20 pessoas. Os pesquisadores da EMPASC, acostumados com demoradas leituras em inglês, já tinham estudado o assunto e até mesmo feito viagens ao exterior e participavam ao seu modo das entrevistas. Em certas passagens eles davam risadas e olhavam para mim, debochando eu pensava, da minha completa incompreensão. Depois condescendentes explicavam o que tinha sido dito, eu odiava sinceramente a situação. Nos congressos com tradução simultânea eu invejava os esnobes que deixavam de lado aqueles fones de ouvido. Jamais gostei de aparelhos “de ouvido” sejam fones, receptores de rádio e ficava irritado com aquilo, parecia uma perseguição.

Resolvi quebrar a constrangedora situação, reuni coragem e fiz matrícula num cursinho. Era duro, pedi para iniciar do zero, eu era o mais velho da sala, a moçada se divertia de montão. Para quem trabalha o dia inteiro, mais família e filhos é difícil sair à noite com umas apostilinhas, tarefas, follow the paterns, eheh. Passou um ano, forcei a barra com filmes e livros. Mudei de curso, mais um ano, o professor, era pastor religioso, foi embora. Outro curso, mais um ano. Nesta altura eu tinha melhorado um pouco, continuava com tarefas caseiras como filmes e livros, incluí gramáticas e dicionários. Neste terceiro curso o professor, o mais sábio nesta atividade que já encontrei, era muito bom e exigia participação durante as aulas, grande atividade, melhorei bastante, meu nível era o intermediário. Estava motivado, tinha passado a média das pessoas e seguia com o reforço extra de leituras, agora mapas, livros e filmes. O professor excelente fundou uma escolinha particular, sala de 14 pessoas, mudei para lá, continuei progredindo, a gramática melhorou. Neste ponto “os astros se alinharam” através de um acordo com uma escola estrangeira o professor organizou um grupo de interessados em estudar, “lá fora”. Imediatamente me inscrevi, funcionava assim, um mês, parando na casa de pessoas aposentadas que alugam temporariamente um quarto para estudantes.


A escola de inglês, na cidade de Colchester, UK, ficava a uma hora de trem de Londres. Nosso grupo era de 14 pessoas, nos dirigimos à escola e de lá em taxis até “nossas casas”, foi muito embaraçoso, corajosamente me apresentei, conversei, mal no início, mas deu para me arranjar. Era domingo, jantamos e vimos um pouco de TV e fui dormir, muito cansado.

No outro dia, outro sacrifício, acertar o ônibus de dois andares, típico, mas chegamos. Na escola fizemos um teste escrito e entrevista, não fui mal fiquei no Intermediate IV. Sala 12 a 15 alunos, por exemplo, duas alunas da Koreia, um da Líbia, uma da Ucrânia, um português, dois Italianos, duas da Turquia e um brasileiro, eu, legal não é mesmo.....Sabe como todos se comunicavam, em Inglês automaticamente. Isto foi tão forte que ainda hoje quando encontro um Hermano na praia meu reflexo é responder em inglês. A cada semana chegavam e saíam alunos dos mais diversos países. Durante o dia passavam pela sala, dois professores de manhã e dois pela tarde, todos nativos, os trabalhos iam até as 14 horas. Em vários dias tinha atividade como palestras gerais e pequenas encenações teatrais, churrascos também. Nos fins de semana, excursões pelas redondezas, Londres, Paris e outros lugares. Aventura que me fez superar a velha deficiência, acabei adorando a Inglaterra e seu modo de viver, não foi muito tempo, mas eu saia diariamente andando pela cidade observando cada detalhe.

Ciente disto quando os filhos tinham sete anos iniciaram os estudos de inglês nas escolinhas de Lages, as melhores certo, em alguns anos cumpriram todas as fases.

Decididamente não tem os problemas que marcaram tão forte a minha vida profissional.

Um comentário:

Anônimo disse...

Paps,
adorei a crônica como sempre...
É tão legal ler sobre uma história que você conta há tanto tempo, mas agora com novos detalhes...
Você nem falou da sua outra viagem à Europa... onde falou inglês de montão de novo... até com minha família hospedeira... sem qualquer problema pra conseguir se comunicar...
Realmente acho admirável essa sua capacidade e inciativa em estar sempre empenhado em aprender novas coisas. Foi uma conquista e tanto paps!
Beijão, e desculpa a demora em ler o novo post... eu gosto de fazer isso com calma....

ps: ri um monte com a foto... hauahauahau
ps2: acho que tem material pra um livro sim... se continuar nesse ritmo...