sexta-feira, 6 de junho de 2008

CAOS AÉREO

Morava na Bomba de Candiota, estação ferroviária 60 km de Bagé, sem luz elétrica mas todos gostavam de ler, uma vez por ano, depois da colheita tinha visita na casa do vovô Rosso em Caçapava do Sul, minha terra natal. Uma semana inteira fazendo tachos de figada, geléia de uva e perada. Meu serviço sempre foi fazer fogo e mexer o tacho durante horas com uma gigantesca pá de madeira, no início a chimia pulava e saltava queimando os braços. Na volta, a camionete vinha carregada de coisas e, principalmente, todos os exemplares antigos da Seleções do Readers Digest, a tia assinava, e mais todas as revistas antigas de O Cruzeiro e outras. Alguns anos depois um dono de posto de gasolina, amigo nosso, soube deste vício, e nos deu uma imensa coleção de livrinhos de faroeste, alguém sabe o que é isto, se acreditam eu lia um por dia, Ei Jack !!!

A hora de ler ficava para a sesta, a popular sestia, durava até duas horas no verão. Como o dia é muito longo no verão do Sul, não havia pressa, podia ler, dormir, e comer melancia. Todos liam, as revistas iam passando, ao final cada uma era lida e relida várias vezes. Uma propaganda me encantava era da Varig, geralmente tinha uma ilustração de elegantes pessoas e alguma coisa relacionada com ter muita classe, ou pessoas de classe é que escolhiam a companhia. Certo que a foto ou ilustração incluía cena do aeroporto. No meu imaginário voar era uma coisa para pessoas muito ricas, influentes e poderosas. Aquelas propagandas causavam grande admiração e influenciam meu comportamento até hoje. Posso dizer que a propaganda funcionava. Esta curiosidade me levava a olhar instintivamente para os aviões passando. Mais tarde eu gostava de ir para os aeroportos, geralmente quando chegavam políticos e conhecidos.

Passou o tempo, cheguei á universidade, imediatamente passei a me inscrever em toda a atividade do Projeto Rondon. Então veio a primeira viagem de verdade, Porto Alegre a Goiânia, pela Varig acreditem. Novato, aprendi umas regras, passei frio. Serviam sucos, um estudante de veterinária, o Jonas, pediu suco de tomate, se deu mal, e refeição quentinha muito legal. Um serviço muito atencioso, dava gosto participar daquele mundo, as ilusões dos comerciais tinham certo sentido. Muitos anos depois, sexta-feira, telex urgente, segunda-feira curso em Brasília, quinze dias, a companhia escolhida foi Varig embarquei em Curitiba, viajava a noite toda de ônibus, de Lages(SC).Lembro de uma vez, inverno brabo, amanheceu zero grau geando, no avião tirei a pesada jaqueta de couro, quando cheguei em Recife, descia no pátio do aeroporto, aquele bafão, trinta graus em pleno julho. Resultado no hotel eu estava carregado de abrigos na mão e suando direto.

Veio o tempo dos cursos “à distância”(hoje se chamam MBA), perto de 400 h, provas duas vezes por ano. Escolhi um em Minas Gerais, mais uma vez embarquei em Curitiba até Rio de Janeiro, depois Belo Horizonte era um 727, estiloso, gostava dele, anotava os modelos, dois anos seguidos. Aprendi mais uma coisinha, numa destas lá se foi, para sempre, linda máquina fotográfica reflex, lentes intercambiáveis e alguns filtros, estava na bagagem despachada. Numa das viagens, atraso, perdi a conexão, fui na companhia e, outra lição, ouvi não somos responsáveis por espera de outras empresas, a regra é sempre conexão com a mesma companhia.
Nesta altura eu tinha, rodado um tanto, cada local que passava, conhecia cada detalhe do aeroporto, ia para o deck, ver o movimento, passeava nas lojas, chegava bem cedo para “viver” aquele clima. Gostava das escalas, fiquei acostumado com a rotina, cada caminhão que chega, trator com malas, aquele vai e vem de aeromoças.
Aquelas propagandas do Seleções, sempre recorrentes, cada assunto relacionado nos jornais dou uma olhada. Pois assim iniciaram comentários sobre problemas, crises, dívidas, renegociações relacionadas com minha companhia preferida. Um vazio no setor, foi-se a Vasp, Transbrasil, entraram novos atores, preços atrativos. Cabe um comentário favorável, surgiram as promoções, decidido, incluí São Paulo na rota turística, museus, pinacoteca, gigantescas livrarias e sebos, minha filha fazia mestrado, achamos todos os livros do John Steinbeck em inglês, era preciso, outro aprendizado, acabaram as refeições quentes, nem um cafezinho, o preço era de ônibus leito.
Um dia anunciaram, balcões vazios, daquela cor inconfundível, parecia incrível mas estava acontecendo.

A vida continua, precisava ir a São Paulo, olhava a internet, de repente, aquele símbolo e uma nota, oferta especial, feriadão na metrópole, R$ 110,00 ida e volta, cliquei imediatamente. Enfim novamente, nos ares, literalmente, voltamos a ver a rosa dos ventos, sabemos é quase só o nome de fantasia, os problemas ficaram para trás. Ainda assim, o nome é forte, a marca que encantou a nação, e, porque não dizer, era um genuíno orgulho do Rio Grande Amado, podem acreditar serviu um singelo sanduíche quentinho. No exterior era quase uma embaixada, dava alegria ver. Me aventurei em viagem externa pela Transbrasil, que coisa, não tinha equipe de terra, “terceirizava” o serviço de outra empresa, não falavam português, na maior parte o balcão, simplesmente o último, longe, ficava abandonado. Outra lição, na viagem seguinte escolhi a companhia nativa do país visitado, ours-concurs, petiscos delicados, vinhos encantadores, entrada, prato principal e sobremesa, foi lindo. Vacilei, oferta, e lá fui para a terra dos hermanos, o serviço, de novo um caso, a viagem era curta, tinha partido da capital pampeana.

Na pátria mãe foi uma década de sandubas gelados, amendoins e barra de cereais, ufa. Deus seja louvado, a fila andou, finalmente algo “quente”, faz lembrar antigo filme do John Wayne com uma expressão, “não se deixa um viajante partir sem uma refeição quente no estômago”.

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