domingo, 3 de agosto de 2008

SOLIDÃO CONSENTIDA

Por essas coisas do destino, tive de conviver em ambientes com outras pessoas, colégios internos, alojamentos de companhias, centros de treinamento. Restaurantes coletivos, compartilhamento de mesas com estranhos.

Não me acostumei, sempre tive, um certo gosto pela solidão. Talvez por isto eu não me adapte com multidões, estádios nem pensar. Shows em pé, não vou mais. Prefiro almoçar sozinho, depois vou pela rua ensolarada, pensando, raciocinando, passo na fruteira e em seguida caminho um pouco cuspindo sementes de bergamotas.

Nas viagens gosto de ir sem conversar, só com os pensamentos. De resto “o viajar” se tornou uma espécie de terapia. A regra do homem em trânsito é só relaxar quando está embarcado. Cumprida esta condição, é tempo de refletir, organizar as idéias e planejar. Consigo isto em completo silêncio.

Estando só podemos reparar melhor nas pessoas, seu comportamento. Um banco na frente da praia é muito bom, mas tem uma série de importunos oferecendo coisas. No exterior gostava de sentar numa praça e ficar olhando simplesmente a rua e as pessoas, sem sofrer assédio de ninguém.

Era bom o tempo em que cada profissional tinha a “sua mesa” de trabalho. Estas bancadas, ditas modernas, afetam a personalidade e tiram a privacidade. Sua tela de computador vira uma espécie de vitrine. Também é constrangedor porque ao olhar para o lado lá está o rascunho que seu colega está redigindo. Outra coisa no falar ao telefone, temos de tomar uma atitude neutra em tudo, todos ouvem o que se fala.

Reagindo a isto cada um cria um tipo de “decoração” imprimindo marca qualquer de sua personalidade. Em viagem a Treze Tílias, muitos anos atrás fiquei impressionado com a vocação daquele povo, originário da Áustria, para esculturas em madeira. A cidade promove um torneio juvenil de xadrez, todos os anos, minha filha era da equipe de Lages. Tudo em motivos religiosos, a figura do Cristo aparecia em muitas formas. Perto da praça entrei em pequeno ateliê, pouco maior que uma garagem, tinha uma prancha de madeira, várias obras em andamento e outras prontas. Uma artista trabalhava em nó de pinho, sua especialidade, fiquei muito impressionado. Ela explicou que o nó de pinho figurava no imaginário popular como algo que representa a eternidade, se mantém por muitas décadas depois que o pinheiro morre, ele mesmo, muitas vezes, centenário. Ela só fazia a limpeza externa e protegia com verniz e cera, serrava a parte inferior formando a base e esculpia uma figura do Cristo crucificado, muito delicada e linda dentro de um nicho. Comprei uma delas e é a única decoração da minha bancada, fica ao lado do computador.

É um elemento natural, rústico por um lado, mas tendo uma delicada figura cuidadosamente trabalhada. Todo dia eu olho, passo a mão tirando o pó e faço uma oração singela, sei que é preciso coragem para enfrentar o dia a dia, a imagem me conforta.

A artista gravou seu nome, é Mariana Taller de Treze Tílias(SC).

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