quarta-feira, 27 de agosto de 2008

ENERGIAS CRUZADAS

É fim de turno, companheiros vão finalmente olhando pela janela, já começam a interessar-se por fenômenos naturais, chuva, temperatura e ventos no meu caso. Cumpriram jornada, tensa, oito horas, telefonemas nervosos, olhos cansados “scaneiam” a tela no exame de tabelas e mensagens. Tudo deveria ser bem resolvido, ali não tem fome, frio ou calor, não existem sem tetos, todos têm assistência, na média muito instruídos, mas existe um fator, o fator humano, reside aí o imponderável.

Como se desenrola esta aventura, um simples dia de trabalho, revela-se um grande complexo, personalidades interagindo numa fina linha de equilíbrio, pequenas coisas se complicam. Grandes análises precisam partir no malote da tarde, mas tem um problema: o ser humano, ele quer atenção, recompensa, realização, afagos, precisa deles. A corporação é gigantesca, mas como recomendava Descartes, dividindo em partes, é como uma série de paróquias. Cada bancada vai se tornando uma entidade, com seus valores, crenças e rituais num sensível balanço todo particular.

Digamos que você precisa falar com alguém, veja, então este ritual de abordagem. Um procedimento recomendado é chegar cautelosamente, fazer alguma evolução para ser notado pelo colega, vale cruzar na frente da luz, parar perto, não muito, abrir alguma pasta , nunca sobre qualquer coisa onde esteja trabalhando, fazer caras e bocas, pode também, um olhar expressivo, coisas assim. An passant, jamais circule sem um maço, no mínimo, de papéis na mão, um ar grave compõe a cena favorável, faz supor que você desenvolve grandiosa tarefa e precisa estudar, ainda mais, a situação. Cumprida esta fase, pode se dirigir, em voz suave ao interlocutor. Altas vozes despertam todos os comentaristas do lugar, várias piadas, olhares irônicos e risadinhas destruirão o cenário que você montou. Na cultura local um assunto comentado em voz alta sugere que várias outras pessoas podem participar do assunto. Por outro lado um clima amistoso e discreto, desperta uma certa inveja, você sai fortalecido, e credencia o amigo como um valorizado consultor, assim que termina sua entrevista o coitado quase sufoca com intensos olhares do tipo “não vai nos contar o que está rolando?”. Quando sair em terreno neutro (corredores em geral) deve cuidar para sempre estar composto, carreiras se perdem por esta falta comum.

Ao falarmos em ritual, é preciso ver como funciona o atendimento dos longos telefonemas. Em geral as pessoas ficam cansadas com uma sequência de diálogos. Claro que já ouviu falar em enriquecimento de tarefa, repare como fazer isto. Uma das coisas piores na vida é não ter importância, assim a primeira coisa que precisa dizer é um comentário ao acaso, “ho ho ligação do diretor logo cedo”, silêncio geral, a bancada inteira vai querer saber do que se trata, estar por fora é fatal neste ambiente. Aqui tem de valorizar, primeiro gire na cadeira fazendo varredura, os companheiros vão como peças de dominó, baixando os olhos para papéis sem valor e depois olham de novo atentos, com um pouco de prática tem-se um movimento de “ola” em estádio de futebol, para melhorar a performance, intercale breves comentários em voz mais alta, tipo, “era a reunião do conselho”, e siga com algumas expressões como “isto é tnt puro”, continuando em sussurros e monossílabos enervantes.

Não esquecemos a expressão “fatiou, avança”, do filme Tropa de Elite. Aqui o tempo está fatiado, a tropa só avança em ondas cuidadosamente estudadas, então existem procedimentos, descrevemos as fatias mais expressivas:
Fatia abertura de jornada – período mágico, com olhos brilhando a moçada vai ligando os equipamentos, olha para os lados, acena alegre, comentários do esporte, trânsito e amenidades. Um comportamento desajustado, é reconhecido facilmente, o mais comum é aquele bravo companheiro disparar temas de fatias de tempo adiantadas. Nesta hora é totalmente desaprovado ingressar em temas difíceis, cenário futuro do preço das commodities, comparado com projeto.

Fatia aquecimento – aqui as principais mensagens foram lidas e, algumas impressas aguardam. Já diminuiu o volume do conversê geral, a concentração aumenta. Ruim nesta hora é comentário tardio de alguma coisa engraçada, cairia melhor na fase anterior.
Fatia do piloto automático – Nossos combatentes estão num ponto de não retorno, prontos para os mais difíceis estudos, rende o trabalho, reuniões nesta hora são o máximo. É tempo de tratar de questões sensíveis. Vai na balada, intercalando uma pequena quebra perto do almoço, pode-se revisar sites de notícias on-line.
Fatia da descompressão – Prepara para a fase que relatamos no início. Inspirada nas maratonas, depois da corrida não se deve parar subitamente, deve-se continuar, ainda em movimentos que vão ficando mais lentos. Permitido, novamente, assuntos alegres e coisas sem importância, como os programas para o fim de semana. Sem condições para temas complicados.

Assim passou o dia, então energias confrontantes faíscam, é o segundo turno, compreensível, abertura e final de jornada vibram de forma diferente.

Nenhum comentário: